Sinte/SC conversa com o professor da USP, Daniel Cara, sobre os 200 anos de independência do Brasil

 

Hoje o Brasil celebra 200 anos da independência de Portugal. Pensando nesta data o Sinte/SC conversou com o professor da USP, Daniel Cara, educador, cientista político e político brasileiro, para entender quais foram os avanços e retrocessos nesses anos. Confira a conversa:
 

O Brasil é o país que abrange a maior floresta tropical do mundo, com uma vasta costa litorânea e detentora de petrolífera, a partir destas riquezas, porque após 200 anos da independência o país ainda concentra mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome e sem trabalho?

O Brasil tem todos os ingredientes  para se desenvolver muito, mas é um país que sempre foi marcado pela lógica de exploração econômica. Primeiro a exploração da metrópole portuguesa em relação à colônia. Depois junto co m essa modalidade de exploração ela se agrava inclusive em relação a nefasta experiencia de escravidão e o Brasil se torna independente em um processo extremamente controverso, problemático. A independência é acordada e também sangrenta. Lembramos aqui dos eventos que ocorreram na Bahia, guerras de independência.

Importante lembrar que o Brasil se torna independente com uma mediação britânica, ou seja, um país independente submisso a coroa britânica.

Concretamente é um país que nunca conseguiu trilhar seu próprio caminho, tem uma elite extremamente perdulária, desde a sua composição é uma elite pautada em uma lógica escrita, “casa grande e senzala”, e que faz uso de todas as possibilidades e potencialidades do Brasil para atender o interesse próprio, submissa aos interesses internacionais das potências dominantes. O Brasil é um país que por conta de não ter tido um processo de consolidação de um sentimento nacional, de um princípio de igualdade, por conta do fato de que sempre foi cruel na posição aos movimentos populares, vive sempre muitas guerras.

Nós temos índices de violência equivalentes a  guerras civis, as corporações policiais e militares todas servem ao objetivo de conter revolta da população, a construção de uma  reivindicação sobre o compartilhamento das riquezas do Brasil, sendo completamente um país que é pautado em uma lógica exploratória da coroa portuguesa e depois de uma elite perdulária e nefasta, que faz uso do povo brasileiro e das riquezas brasileiras para interesses particulares.

 

O fascismo tem papel na desconstrução de direitos dos trabalhadores no Brasil? Porque?

A emergência do tradicionalismo, modalidade de facismo do século XXI e esse é o conceito que está estabelecido no mundo, então existem vários governos tradicionalistas, na Hungria, EUA (Donald Trump), últimos governos japoneses, mesmo o Zelenski na Ucrânia e o Putin na Rússia são governos  tradicionalistas. Mas para entender o tradicionalismo, que é uma vertente que serve a lógica neoliberal, é preciso entender o que está acontecendo no mundo. Existe uma emergência chinesa, a China é hegemônica  da produção industrial, é um país que vem adquirindo  uma complexidade econômica (capacidade de produzir produtos extremamente complexos e necessários para  o mercado mundial). O próprio Fórum Econômico Mundial reconhece que  as tecnologias de conexão  (internet), elas são fundamentais  para o estabelecimento de uma  nova ordem econômica. Ou seja, quem detém a tecnologia mais avançada é a China.

O mundo vive um rearranjo. O ocidente perde a sua capacidade produtiva, e essa capacidade produtiva está relacionada à criação de valor.  Com isso  surge um  movimento tradicionalista  para tentar  resgatar valores  conservadores  do ocidente, mas principalmente para fazer processos  de condução política  neoliberal  e de afirmação das políticas  neoliberais. É uma mentira a ideia de que  a democracia  é essencial para o liberalismo econômico, pelo contrário, isso só aconteceu na Inglaterra. A democracia nunca foi  referência para o desenvolvimento  do capitalismo , fora do contexto inglês e dos Estados Unidos. Na prática o caminho do oceano do Bismarck, como disse Gramsci, é de fato um processo  autoritário.

O capitalismo Brasileiro se estrutura  com Getúlio Vargas, no período mais autoritário da era Vargas (Estado Novo). O Pinochet, no Chile, implementou as políticas neoliberais em uma ditadura. Margaret Thatcher e Ronald Heigan não fizeram dessa maneira  porque  tinham instituições diferentes nos Estados Unidos e Inglaterra. Mas na prática todos os governos  hoje que estão no poder tirando Portugal e salvas exceções, que estão no poder na Europa são governos neoliberais. É preciso uma estratégia ampla para fazer o neoliberalismo  que é desigual, nefasto.

O Brasil não está diferente dessa situação. O que representa o  Bolsonaro? A inserção do Brasil no mundo é via agronegócio, quem mais apoia o Bolsonaro é o agronegócio. Então você precisa ter um governo  de feição ditatorial, mesmo que tenha sido eleito pela urna, mas que tenha postura ditatorial e que tenha políticas inconstitucionais que questionem  as conquistas legais, para poder  implementar o projeto  neolieberal. O facismo tem papel central na obstrução dos direitos sociais e na  ampliação das desigualdades, porque ele é um instrumento do neoliberalismo.

 

Mesmo após a independência e abolição da escravatura, ainda não se tem populações pretas em número expressivos nos espaços de poder, principalmente mulheres pretas. Como o senhor avalia a evolução e conquistas dos direitos das pessoas pretas no Brasil? Qual foi o papel do governo nesta conjuntura?

O Racismo estrutural no Brasil, e esse é um fato que foi narrado com precisão no Brasil, especialmente pelo professore  Floresto Fernandes no livro catedrático “Lugar do negro na sociedade cde classes no Brasil”. Floresto constrói  uma estrutura, que eu considero correta, de que a população negra, conforme o IBGE já confirmou, é população que soma pretos e pardos. E Floresto é o primeiro a destacar o fato que o racismo ele é fundador da sociedade brasileira, marcada por uma nefasta experiencia de  escravidão  é o racismo. 

Para termos a certeza desse processo, os empresários ainda vivem na lógica de “Casa Grande e Senzala”. Nos últimos anos, desde a constituição de 1988, até 2016, nós estávamos avançando, no sentido de afirmação  de direitos para  população negra  e esses direitos foram frutos de  lutas. É importante sempre ressaltar a luta  nesse processo. O Brasil é um país com  uma quantidade infindável de lutas  e que são  apagadas, vivendo o processo de pagamento na própria historiografia oficial. Mas concretamente depois  de muita luta  começa, o processo  de reconhecimento  de direitos que o ápice é a Lei das Cotas, que tem o protagonismo do movimento sem universidades, do moviemnto negro e que a capanha nacional pelo direito a educação, que é a rede que eu sou dirigente e cordenava naquela época, foi um dos atoreres principais no apoio a essas enditades.

Mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Porém esse caminho não é trilha porque como dizia Celso Furtado e Chico de Oliveira, o arcaico no Brasil ele colabora  com o moderno. Então a forma como se estrutura o capitalismo no brasileiros, ele  opta por manter o racismo como mecanismo estratégico  para o processo de produção do capital. Como isso funciona? É só lembrar o que aconteceu  no passado recente, que todas as lutas da população negra, ou que tiveram o combate ao racismo como instrumento central foram alvos preferenciais  do governo Bolsonaro, governo que não quer a mudança na composição de poder do Brasil. Esse é um aspecto estrutural  e que o governo  foi um empecilho , por sorte  ele não teve forças suficientes para tentar  barrar a lei de cotas e nem coragem, mas ele tinha esse objetivo. É um cenário dificílimo e que precisa ser denunciado sempre com muita força.

 

Após 200 anos o Brasil ainda não é considerado um país de primeiro mundo. Porque isso ainda não foi possível?

O Brasil não é um país de primeiro mudo porque  ele se acostumou a uma condição subalterna da economia global, ele não lutou contra isso. Infelizmente o Brasil se torna uma estrutura de interesse do capital, na divisão internacional do trabalho, que produz produtos  muito pouco industrializados e isso se torna mais grave, pois nossa pauta de exportação já  praticamente voltou ao início do século  XX. Ou seja, nos últimos anos retrocedeu praticamente 100 anos em termos de industrialização.

Na prática, o que o mundo consome do Brasil são as commodities, produtos que não são  industrializados. Para o Brasil se tornar um país desenvolvido, ele precisa  ser um país capaz de construir valores econômicos dentro do território brasieiro e distribuir, algo que ele não faz. Então diferente será um país desenvolvido se  as coisas continuarem como estão e por isso é fundamental que a gente lute com veemência contra o governo Bolsonaro.

 

Como a educação pode reverter os erros cometidos nesses 200 anos de independência e como planejar o futuro na perspectiva da educação no Brasil?

A educação sozinha não vai reverter todos os erros  que foram cometidos nos últimos 200 anos do Brasil e ela também sozinha não vai  estabelecer o futuro do país. Educação, como dizia o Paulo Freire, sozinha não vai transformar a sociedade, mas sem ela  a sociedade certamente não se transfroma. 

A educação precisa estar inserida dentro de um projeto de desenvolvimento que tenha a capacidade de planejar  um futuro  que garanta a qualidade  de vida para o povo brasileiro. O projeto de desenvolvimento  ele não pode vinculado só ao crescimento econômico, ele precisa estar ligado também com a distribuição de renda e sustentabilidade.

O Brasil precisa construir, de forma inédita no mundo, um modelo que envolva desenvolvimento econômico, social e sustentabilidade ambiental. Neste processo a educação terá papel fundamental, pois ela precisa estar inserida dentro deste modelo.

#SinteSC 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima