Contas públicas do governo de Santa Catarina e o não cumprimento do piso salarial profissional nacional do magistério

*Artigo de Maurício Mulinari – Economista e mestre em Serviço Social, técnico da subseção do Dieese no Sinte-SC

A partir de janeiro de 2022 passou a ter vigência o novo valor do Piso Nacional do Magistério: R$ 3.845,63. Na esteira do Novo Fundeb e da forma de atualização do valor do piso estabelecido pela Lei nº 11.738 de 2008, os profissionais do magistério público catarinense não podem receber rendimentos inferiores ao valor do piso, pressionando, assim, pela necessidade de atualização de 11,47% na totalidade da tabela salarial vigente no Plano de Carreira dos professores da rede estadual. Entretanto, desde então, nenhuma movimentação tem ocorrido por parte do governo estadual conduzido por Carlos Moisés, que insiste em alimentar a narrativa fantasiosa de que os professores catarinenses já recebem valores acima do piso nacional e de que nada precisa ser atualizado.

Baseado na aprovação do Projeto de Emenda Complementar 007/2021, a mal chamada “PEC dos R$ 5 mil”, o governo tem afirmado que todos os professores do estado já recebem o piso nacional, construindo enorme desorientação no debate sobre a carreira. Em primeiro lugar, a PEC aprovada em 2021 trata apenas do complemento remuneratório dos professores, e nunca de piso salarial. Longe de ser um piso, ela tratou de um teto, fazendo que os professores com ensino superior completo e jornada de trabalho de 40 horas semanais tivessem uma complementação salarial – muito diferente do rendimento base – para alcançar o valor dos R$ 5 mil.

Em segundo lugar, o governo oculta o fato de que um contingente expressivo do magistério, em especial os servidores públicos de carreira, não recebe o valor mínimo garantido pelo piso nacional. Seja por não terem ensino superior completo, não cumprirem jornada semanal de 40 horas ou terem tido parcela de seus rendimentos confiscados após a reforma previdenciária de 2021 – como no caso dos aposentados –, os dados do Portal da Transparência do Governo Estadual demonstram que 2.385 profissionais do magistério catarinense não têm recebido nem ao menos o piso em seus rendimentos mensais.

Para além disso, ao não repassar a atualização do piso para a totalidade da carreira, o governo continua o processo de arrocho da tabela salarial do magistério, já que desde o modesto reajuste aprovado ao final de 2021 – que ficou aquém das reais perdas salariais dos professores nos últimos anos –, a defasagem salarial provocada pelo INPC de 2022 já atinge mais de 7% em apenas 4 meses. Somado a isso, continua a vigorar o confisco mensal de 14% dos rendimentos dos aposentados, fato que torna ainda mais precária a situação deste importante setor da categoria.

O contraste mais marcante nessa situação é que o governo de Santa Catarina tem apresentado superávits expressivos em suas contas públicas nos últimos anos. A inflação que não para de crescer tem sido benéfica para a arrecadação do Estado, já que eleva a base arrecadatória do governo. De outro lado, ao congelar salários, progressões, bonificações e demais benefícios durante longos anos; não realizar novos concursos públicos; economizar recursos em meio ao fechamento das escolas na pandemia; e não cumprir a aplicação do mínimo constitucional de 25% na educação, o governo tem feito economia sobre as costas da precarização do serviço público catarinense.

O resultado aparece claramente no Relatório de Gestão Fiscal Consolidado divulgado pelo governo através da Secretaria de Estado da Fazenda, relativo ao terceiro quadrimestre de 2021 – último relatório disponível. Neste relatório, que apresenta as receitas e despesas consolidadas de janeiro a dezembro de 2021, aparece que o comprometimento da Receita Corrente Líquida do governo com a Despesa com Pessoal nunca esteve tão baixo: 51,54%. Com uma receita acumulada de mais de R$ 31 bilhões, o gasto com pessoal foi de apenas R$ 15,9 bilhões, muito distante do limite máximo permitido por lei de R$ 18,6 bilhões.

Tabela 1 – Demonstrativo Consolidado da Despesa com Pessoal (jan/2021 – dez/2021)

Diante deste quadro, o repasse de 11,47% referente ao novo Piso Nacional do Magistério para a totalidade da tabela salarial do magistério catarinense, que traria um impacto estimado de R$ 472 milhões anuais para o governo, faria o Gasto com Pessoal do Estado alcançar o patamar de apenas 52,9% da Receita Corrente Líquida, ou seja, nem ao menos o limite de alerta de 54% seria atingido.

Diante disso, o Relatório de Gestão Fiscal Consolidado para o ano de 2021 demonstra não apenas a viabilidade do repasse dos 11,47%, mas também da implementação na íntegra da Tabela Salarial proposta pelo Sinte-SC ainda em 2021 no interior dos debates realizados na ALESC. Nela, o Piso Nacional do Magistério serve apenas de base para o nível IA, promovendo após esse nível uma verdadeira descompactação da tabela e real valorização da categoria.

Tal nova tabela geraria impacto estimado de R$ 2,9 bilhões de acréscimo anual no investimento com os profissionais do magistério. Assim, a relação entre Despesa com Pessoal e Receita Corrente Líquida passaria para o percentual de 60,6%, o que extrapola em apenas 0,6 ponto percentual o limite máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal, algo que facilmente seria compensado pelo crescimento da arrecadação dos primeiros 4 meses de 2022.

De qualquer forma, existe grande margem para incorporação de proposta intermediária entre a aplicação dos 11,47% na integralidade da tabela salarial e a adoção da proposta ideal apresentada em 2021 pelo Sinte-SC.

Assim, o que fica evidente na negativa do governo em desconsiderar a revisão dos valores constantes no Plano de Carreira do Magistério é o completo descompromisso com a educação pública de Santa Catarina. Se por um lado o governo é intransigente com os professores, por outro, apresenta extrema generosidade com os grandes empresários, ampliando de R$ 6 bilhões para R$ 14 bilhões o montante das renúncias fiscais no ano de 2022. As contas não mentem: não faltam recursos para a real valorização do magistério, o que falta é compromisso com a educação.

 

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