Há 135, nesta data de 13 de Maio, o Brasil decretava, oficialmente, a Abolição da Escravatura, depois de 350 anos de exploração dos povos sequestrados e negociados na África.
Porém, além da história oficial cravada nos livros ao longo de mais de um século, que tratou o fato como benevolência e santidade da Princesa Isabel, outros importantes fatores fizeram o acontecimento desse processo.
Talvez, o mais importante deles foi a rebeldia constante e violenta de muitos e muitas pessoas escravizadas. Isso a história oficial escondeu das escolas, das pessoas e da sociedade.
Os rebeldes sacudiram as estruturas do império em seus interesses políticos, sociais e, sobretudo, econômicos. Assim, as lutas quilombolas nas fazendas, sítios e grandes plantações, em verdade, se constituem nas primeiras lutas campesinas da história do Brasil, pois os rebelados sabiam da necessidade da terra para a liberdade, assim como também à educação.
Vejamos, que mais tarde a luta pela Reforma Agrária se estende a outros grupos étnicos de origem europeia, já no capitalismo, pois o modelo de exploração do homem por outro homem, continua até hoje.
Neste sentido, vale afirmar que no Brasil a experiência da escravidão formou as bases para a implementação do nascente capitalismo. Este herdou as tecnologias sociais, as práticas, as culturas de subordinação de massas, bem como a violência física e tortura contra os trabalhadores, outrora forçados e hoje sub assalariados.
Neste aproveitamento e herança do escravismo está o rebaixamento do valor da pessoa humana, exercido pelo tripé do racismo, preconceito e discriminação racial, que se mostrou eficiente para os senhores de engenho (barões) e também eficiente para os patrões, donos das fábricas, comércio e nas grandes empresas agrícolas.
Por outro lado, o trabalho urbano escravizado também sofreu sabotagem e enfrentamentos para ser desestabilizado. A grande Revolta dos Malês (africanos islamizados e alfabetizados), em Salvador (BA), no ano de 1835, fez alertar o império sobre a relevante questão de sua segurança e continuidade frente à potencial organização dos negros em todo o território nacional.
Isso porque, no paralelo dos acontecimentos, as lutas quilombolas cresciam nos campos e, se acaso juntassem as cidades, seria um risco iminente de desmonte das elites europeias (sim no plural), uma vez que não eram apenas os portugueses que usufruíam do sangue dos africanos e seus descendentes: franceses, belgas, holandeses viveram o processo colonial e imperial com base na exploração humana.
Mais tarde, os acordos do governo brasileiro trabalharam a imigração alemã e italiana, com doações de terras e outros incentivos para ocuparem o lugar nos campos e cidades donde os africanos e seus descendentes foram expulsos, não podendo exercer o trabalho livre, explorar na terra seu sustento e comercialização dos produtos dela obtidos.
Mas qual o objetivo desses apontamentos, senão o de conferir e comparar as condições de vida dos povos originários de África diante da realidade da pós-abolição, posto que pelos indicadores sociais, das instituições oficiais as desigualdades de todas as ordens ainda penalizam os negros e negras nos campos e nas cidades.
O próximo senso vai mostrar um agravamento da situação em razão da pandemia da Covid-19, os registros de assassinatos de jovens negros se ampliam junto com os casos de racismo. O Estado brasileiro, nas suas diversas esferas, é composto por ideias escravocratas, que se tornaram mais letais com a chegada do nazismo e fascismo na sociedade, e estruturas de poder no Brasil, no início do século 20.
Esse é o cenário adverso que enfrentamos conjunturalmente. Cabe, entretanto, enaltecer a resistência presente em todos esses tempos em que fomos criativos para sobreviver, e projetar novos tempos e instrumentos de lutas sociais.
No âmbito da Educação para a sociedade, as militantes negras e negros produziram um contundente arranjo por intermédio da Lei 10.639/03, que institui o ensino da História da África, dos africanos e suas lutas e suas culturas, obrigatoriamente, para todo o ensino básico no Brasil, mas que há 20 anos, aqui em Santa Catarina, as autoridades educacionais recusam-se a colocar em prática. Põe ela também é fundamental uma grande mobilização.
Essa é uma lei civilizatória que induz, que abre caminho para uma outra visão de mundo, que as escolas são obrigadas a oferecer para a formação de pessoas libertas do preconceito, discriminações, racismos e ódios.
Neste possível novo cenário escolar poderemos qualificar nossas crianças e jovens, os futuros adultos, para que as ideias de armas, nazismo e mentes odiosas sejam banidas pela chegada da vida em igualdade, cooperação e humanismo.
Vendo dessa maneira, configuramos a escola como um espaço privilegiado para a geração de uma sociedade igualitária, porque é sem racismo. Portanto, nossa grande utopia!
Artigo: Márcio de Souza, Secretário de Igualdade Racial do Sinte/SC