Principais problemas da carreira e a política do governo Jorginho para a categoria
Introdução
O objetivo deste estudo é traçar um panorama da situação do magistério catarinense em 2024, tendo em vista as reivindicações do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina (SINTE/SC) para o governo estadual.
Para tanto, iniciaremos com a discussão do plano de carreira da categoria, identificando os principais problemas enfrentados atualmente pelo magistério estadual. Em seguida, faremos uma síntese do orçamento da educação, evidenciando o sucateamento promovido nos últimos anos e o espaço orçamentário disponível para atender às reivindicações da categoria.
Principais problemas do magistério[1].
Apesar de ser um dos estados mais ricos do país, com a 7ª maior arrecadação tributária, Santa Catarina está longe de ser exemplo quando se trata de investimentos públicos em educação. Considerando o quadro de servidores efetivos, o estado possui o menor número de professores efetivos por volume de arrecadação tributária entre todas as unidades da federação, em empate técnico com o Espírito Santo[1].
Além de refletir o baixo investimento do estado com profissionais de ensino, esse indicador revela que o estado de Santa Catarina concentra, de forma muito mais intensa que seus pares, suas contratações em vínculos temporários (ACTs), em detrimento da abertura de concursos para a contratação de servidores efetivos. De acordo com dados do Portal da Transparência de Santa Catarina[2], apenas 29,2% dos professores da rede de ensino básico estadual são servidores efetivos. Das cerca de 50 mil matrículas ativas nessa esfera, 35,5 mil são compostas por ACTs, o que representa 70,8% do total dos professores da rede básica. Esse percentual apresentou forte aumento desde 2021, quando se situava em torno de 67%.
Em paralelo à falta de servidores de carreira, a própria estrutura de carreira vem sendo sistematicamente desvalorizada pelos diversos governos que passam pelo Executivo estadual. No início deste ano, entrou em vigor em todo o país a Lei Federal 14.817/24, que obriga governos estaduais e prefeituras a implementarem planos de carreira mais atrativos aos trabalhadores da educação, tanto do ponto de vista do piso salarial, quanto da progressão de carreira.
Junto a isso, houve uma elevação do Piso Salarial Profissional Nacional do magistério, que passou de R$ 4.420,55 para R$ 4.580,57, valor que deve ser fixado no início das carreiras do magistério, com a devida progressão conforme os profissionais avancem no tempo de carreira e na formação profissional.
De acordo com essa legislação, nenhum profissional do magistério público de Santa Catarina poderia receber salário abaixo do novo valor. No entanto, o governo estadual não atualiza a tabela de vencimentos do magistério constante na Lei Complementar 668 desde 2021, ignorando a aplicação das três últimas mudanças do Piso Nacional, referentes a 2022, 2023 e 2024. Com isso, a tabela salarial que consta na lei está amplamente defasada, com a maioria dos níveis do magistério recebendo abaixo do Piso Nacional, conforme demonstra a Tabela 1 (níveis em vermelho).
Tabela 1 – Tabela de vencimentos do magistério catarinense (nov/2021, em R$)
Para corrigir essa tabela, fazendo valer o Piso Nacional, seria necessário um reajuste linear de 33% em todos os seus níveis de referência.
Sabe-se, no entanto, que o governo catarinense vem complementando os valores dos vencimentos dos professores em início de carreira desde setembro de 2021, por meio da Emenda Constitucional nº 83/21 – a chamada “PEC dos R$ 5 mil”. Esta estabeleceu complementação salarial ao magistério, de modo que todos os professores com ensino superior completo recebem, em sua grande maioria, R$ 5 mil.
Apesar de, na prática, estabelecer remunerações superiores às do Piso Nacional, os salários efetivos dos profissionais da educação, que incorporam a “PEC dos R$ 5 mil”, também estão defasados. Se considerada a inflação acumulada desde set/21, os R$ 5 mil correspondem, em fev/24, a somente R$ 4.333,67, ou seja, uma defasagem inflacionária de 16%. Além disso, pesam como agravantes o fato de essa tabela não incidir sobre os servidores de nível médio ou licenciatura curta e de resultar em um achatamento ainda maior da progressão de carreira.
No caso dos professores com licenciatura plena, o valor de R$ 5 mil pago no início de carreira é o mesmo até o último nível de referência. Ou seja, um professor em início de carreira recebe absolutamente o mesmo que um professor com mais de 30 anos de magistério.
Esse é o 5º salário de final de carreira mais baixo do país, ficando atrás somente de estados com potencial de arrecadação muito menor, como Piauí, Goiás, Sergipe e Paraíba. Pior ainda quando comparado à média salarial nacional, que gira em torno de R$ 10 mil.
Além de Santa Catarina, apenas o estado de Sergipe não estabelece qualquer progressão de carreira para esses profissionais. Junto com esse estado, a rede estadual catarinense pode ser considerada a que menos valoriza a progressão de carreira do magistério entre todas as unidades da federação. Isso representa um completo desestímulo tanto à permanência dos profissionais no magistério, quanto à sua qualificação, em desacordo com a legislação vigente.
Gráfico 1 – Amplitude salarial dos professores do magistério em nível de licenciatura, por rede estadual (2022)
Fonte: Profissão Docente (2023), com base nas legislações estaduais. Elaboração própria.
Para contornar esses problemas, o SINTE/SC reivindica uma atualização da tabela de vencimentos, que incorpore três diretrizes básicas: 1) cumprimento do Piso Nacional no início da carreira; 2) valorização no vencimento base dos profissionais; e 3) descompactação da tabela salarial.
Tabela 2 – Proposta de atualização da tabela de vencimentos do magistério para 2024 (em R$)
Governo Jorginho e o sucateamento do orçamento da educação[3].
O prognóstico do governo, contudo, passou longe de se realizar. No acumulado do ano, a receita líquida do estado teve alta de 7,9%, bem acima da inflação registrada no período (4,6%) e absolutamente contrária à previsão orçamentária do governo. As despesas de 2023, por outro lado, sofreram queda de 7% quando descontada a inflação[4].
Esse corte de despesas foi bastante seletivo, prejudicando, em especial, a educação. Em análise às contas de 2023, nota-se que a despesa empenhada para a área recuou quase R$ 520 milhões, de R$ 7,6 bilhões, para R$ 7,1 bilhões[5]. Com isso, a participação da educação no orçamento estadual caiu de 27,5% para 25,5%, aproximando-se do limite mínimo constitucional (25%)[6].
Além de reduzir o orçamento da educação, o governo tampouco o executou na íntegra. O investimento em educação no primeiro ano do governo Jorginho Mello foi R$ 753 milhões inferior àquele que havia sido previsto na dotação orçamentária. Quanto às rubricas afetadas, destaque para o recuo real de 5,3% na folha de pagamento dos servidores efetivos, ao passo que as despesas com temporários seguiram crescendo.
Do ponto de vista das unidades gestoras, chama a atenção que o orçamento mais prejudicado foi o da Secretaria de Estado da Educação (SED), cujo valor empenhado encolheu 9,4% em 2023. Em particular, destaca-se o corte de R$ 689 milhões (queda de 72,4%) nos investimentos físicos nas escolas. Tal subfinanciamento condiz com a política do atual governo de sucatear as escolas para legitimar a entrega do ensino médio para os municípios e para as entidades público-privadas, tal qual o Sistema ACAFE e o Sistema S.
A SED não foi capaz de executar sequer o próprio orçamento para o ano, aplicando R$ 434 milhões a menos do que o previsto pela dotação orçamentária atualizada. Destaque, nesse quesito, para as despesas com contratação de pessoal, em que a SED deixou de aplicar R$ 171 milhões do seu orçamento na valorização financeira dos profissionais do magistério.
Dessa forma, o governo atingiu um superávit primário de R$ 2,98 bilhões em 2023, superando em quatro vezes o montante previsto na LDO. Mesmo após o pagamento de encargos financeiros, ainda sobraram cerca de R$ 2 bilhões que poderiam ser investidos e não o foram, o que demonstra que a retirada de recursos da educação e de outras áreas do serviço público foi uma escolha do governo.
Esses dados demonstram a verdadeira finalidade do ajuste fiscal do governo: poupar recursos, em geral em áreas de interesse social, para ampliar as transferências ao setor privado, seja na forma de renúncias fiscais ou de programas de incentivo, como o programa Universidade Gratuita.
Invés de revisar as renúncias fiscais, conforme prometido no Pafisc, o governo Jorginho prevê a renúncia de R$ 21,8 bilhões para o próximo ano, um aumento de R$ 551 milhões em relação ao orçamento anterior[7]. Para se ter ideia da dimensão desse valor, basta ter em mente que ele equivale a quase a metade de tudo o que o governo estima arrecadar em 2024.
Ao todo, são previstos R$ 90 bilhões em renúncias nos quatro anos de mandato do governo Jorginho. Esse montante, que deixa de ser arrecadado e deteriora a capacidade de prestação de serviços públicos, não está sendo destinado, como poderia se argumentar, para gerar mais empregos ou sustentar pequenos negócios. Do total renunciado, 41% destinam-se a empresas de importação e trading companies, em geral operadas por grandes conglomerados empresariais. Em outras palavras: há sobra de recursos, mas ela está sendo direcionada para o grande capital.
Disponibilidade de recursos no orçamento de 2024
Gráfico 2 – Comprometimento da Receita Corrente Líquida com despesas com pessoal e limites da RLF
O orçamento aprovado para 2024 também reforça que há recursos disponíveis para valorizar os profissionais da educação. De acordo com as projeções da LOA, as receitas do governo estadual devem crescer 7,3% em 2024. Em fala recente, o secretário da Fazenda, Cleverson Siewert, indicou que esse crescimento pode ser ainda maior, de até 10%[8].
Se aplicarmos esse percentual sobre a Receita Corrente Líquida registrada em 2023 (R$ 41,2 bilhões), chegaríamos a um orçamento de R$ 45,3 bilhões para 2024. Caso o governo aplicasse 49% desse montante (limite máximo da LRF) com folha de pagamento, essas despesas poderiam crescer em até R$ 4,7 bilhões neste ano, representando uma variação de 26,6%. Considerando os limites prudencial (46,55%) e de alerta (44,1%) da LRF, a despesa com pessoal ainda poderia aumentar em R$ 3,6 bilhões (+20,2%) ou R$ 2,4 bilhões (+13,9%), respectivamente.
Equipe Técnica
Mauricio Mulinari | Economista e mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Vicente Loeblein Heinen | Economista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestrando em Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
[1] Estimativa realizada considerando a arrecadação tributária estadual informada pelo Confaz e os vínculos formais de trabalho na rede estadual, conforme registros da RAIS 2021.
[2] Disponível neste link.
[3] Mais informações sobre o panorama das contas públicas divulgado pelo governo podem ser conferidas neste link.
[4] Dados orçamentários obtidos via Portal da Transparência. Valores a preços de 2023 considerando o IPCA como deflator.
[5] Considerando contas da SED, da UDESC, da Fundação Catarinense de Educação Especial, do Fundo Estadual de Educação e do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Superior em SC.
[6] Despesas com educação como proporção da receita liquida de impostos e transferências.
[8] Para mais, ver: Governo de SC projeta alta da receita acima de 10% em 2024.
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