Artigo de Mauricio Mulinari – Economista e mestre em Serviço Social. Técnico do Dieese-SC.
Depois de alguns meses de suposto estudo sobre a situação financeira do estado de Santa Catarina, ao final de abril o novo governo estadual anunciou o Plano de Ajuste Fiscal de Santa Catarina – PAFISC. Com o plano, o governador e sua equipe de secretários demostram abertamente qual será a natureza da gestão Jorginho Mello: de um lado, ampliação do dinheiro para os ricos e para a privatização da educação; de outro, arrocho contra o serviço público estadual e precarização das condições de trabalho, em especial na educação catarinense.
O PAFISC parte do diagnóstico de que o estado apresentará um déficit nas contas públicas em 2023, ou seja, gastará mais do que arrecadará. Diante dessa situação, o estado adotará medidas tanto no âmbito da elevação de receitas quanto da redução de despesas. Do lado das receitas, o PAFISC busca a: 1) revisão das renúncias fiscais, apontando uma queda irrisória de apenas R$ 1,4 bilhão; 2) busca de novas receitas através de sofisticação da arrecadação; e 3) adoção de medidas de desburocratização que estimulem o crescimento econômico. Já do ponto de vista do corte de despesas, o plano prevê a: 1) redução de despesas operacionais; 2) ampliação das Parcerias Público-Privadas em substituição ao investimento estatal; e 3) contenção do investimento na folha salarial dos servidores públicos estaduais.
No que tange a folha salarial dos servidores públicos catarinenses, a perspectiva do PAFISC é de suspensão de novas nomeações e concursos públicos, contenção de gastos com diárias, substituição de comissionados, para além de severas medidas que impedem qualquer nova expansão da folha salarial (tal qual reajustes de salários). Como medida de médio/longo prazo, prevê a redução do número de profissionais ACTs do estado (admitidos em caráter temporário). Caso tal política seja implementada, 2023 será mais um ano de arrocho contra os servidores públicos[2], reduzindo ainda mais as condições de trabalho, a qualidade de vida dos profissionais e a capacidade de atendimento à população que necessita.
O gráfico a seguir, que demonstra a relação entre Despesa Total com Pessoal e a Receita Corrente Líquida demonstra a forma como desde 2017 a folha salarial dos servidores públicos vem sendo arrochada em comparação com o crescimento da receita do estado:
Em relação a educação, tal ajuste na folha de salários impede a implementação da pauta de reivindicações do magistério catarinense, ficando impossibilitada a descompactação da tabela salarial, o pagamento do piso na carreira, o aumento do vale-alimentação e qualquer outra medida que valorize o magistério. Em relação aos ACTs da educação, a previsão do governo é de cortar mais de 6 mil profissionais: de 30.966 professores ACT que existem hoje na rede estadual, a ideia é diminuir esse número para 24.700, uma queda de 20% no quadro do magistério público catarinense. Em resumo, o pacote de Jorginho aponta para a desvalorização dos profissionais da educação e para o colapso da educação pública catarinense, visando substituí-la pelo ensino privado que recebe bilhões em subsídios, tal qual no projeto de caráter privatizante protocolado na Assembleia Legislativa em maio.
Se existe algum problema na receita de impostos em Santa Catarina, parte da responsabilidade é do próprio Jorginho Mello, que, enquanto senador, aprovou em conjunto com Bolsonaro a redução do ICMS-combustíveis em 2022 – uma medida eleitoreira que não diminuiu estruturalmente os preços e fez cair fortemente a arrecadação dos estados brasileiros. A outra parte do problema das contas públicas é ainda mais grave: a forma com que o estado catarinense abdica de receitas através das renúncias fiscais, sendo que deixará de cobrar R$ 20 bilhões em impostos dos grandes empresários apenas em 2023. Tal valor corresponde a praticamente 40% da receita potencial de Santa Catarina, representando um crescimento de 233% no montante das renúncias em comparação a 2021 (quando o valor era de R$ 6 bilhões ao ano). Nesse quadro, a redução de R$ 1,4 bilhão nas renúncias anunciada pelo PAFISC é irrisória.
O governo poderia escolher outro caminho para resolver a atual situação das contas públicas de Santa Catarina. Precisaria enfrentar seriamente o problema das renúncias fiscais e da queda das receitas, diminuindo significativamente o volume irracional de renúncias e aliando-se aos demais governadores do país em diálogo com o governo federal em nome de uma proposta de repactuação fiscal.
Não fez uma coisa nem outra. De um lado, paga a conta dos grandes empresários que ajudaram em sua eleição, mantendo intocado o assalto às contas públicas e ampliando o problema por meio de projetos que repassam dinheiro público para universidades privadas. De outro, alinha-se ao negacionismo, evitando a necessária interlocução com o governo federal para discussão do problema fiscal dos estados.
A opção foi pela velha e falida receita de atacar o serviço público e acelerar o processo de privatização, deixando claro que o atual governo é inimigo da educação e de todas as demais áreas sociais do serviço público. Resta agora aos servidores públicos catarinenses intensificar a mobilização em torno do repúdio completo a esse plano, deixando claro que o arrocho salarial do PAFISC não é uma necessidade do estado, mas sim uma escolha de um governador que prefere andar de braços dados com a elite econômica e com àqueles que não apoiam a educação pública.