Parecer Jurídico Lei Complementar 173/2020 – Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19)

Inúmeros servidores públicos integrantes da carreira do magistério têm questionado a recente anotação na Transcrição dos Assentamentos Funcionais da suspensão do período aquisitivo para Licença Prêmio e Adicional de Tempo de Serviço até 31 de dezembro de 2021, por força da Lei Complementar 173/2020. Todavia, oportuno examinar também os aspectos prejudiciais aos direitos dos servidores públicos contidos no art. 8º da LC e suas consequências.

A Lei Complementar 173/2020 no que respeita aos dispositivos analisados neste parecer, contém a seguinte redação:

 

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I – conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II – criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV – admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

V – realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI – criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

VII – criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

VIII – adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

IX – contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.

§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§ 2º O disposto no inciso VII do caput não se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução de despesa, observado que:

I – em se tratando de despesa obrigatória de caráter continuado, assim compreendida aquela que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a 2 (dois) exercícios, as medidas de compensação deverão ser permanentes; e

II – não implementada a prévia compensação, a lei ou o ato será ineficaz enquanto não regularizado o vício, sem prejuízo de eventual ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º A lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual poderão conter dispositivos e autorizações que versem sobre as vedações previstas neste artigo, desde que seus efeitos somente sejam implementados após o fim do prazo fixado, sendo vedada qualquer cláusula de retroatividade.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao direito de opção assegurado na Lei nº 13.681, de 18 de junho de 2018, bem como aos respectivos atos de transposição e de enquadramento.

§ 5º O disposto no inciso VI do caput deste artigo não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde que relacionado a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§ 6º (VETADO).

 

O artigo mencionado promoveu mudanças na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que afetou novas obrigações aos entes federados em decorrência da declaração de estado de calamidade pública por conta da pandemia do COVID-19.

Logo no caput do dispositivo é possível compreender o objetivo da LC e sua extensão, pois para os Entes Políticos que foram afetados pela calamidade pública há expressa proibição de adotar medidas administrativas cuja finalidade seja a aquisição de direitos e vantagens pelos servidores públicos, que provoque o aumento de despesa. O período de exceção compreende o dia 28 de maio de 2020, data da vigência da LC 173/2020 até 31 de dezembro de 2021, salvo ulterior revogação desta regra.

Mas é bom lembrar que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 23, inciso II da Constituição Federal, julgou a constitucional a autonomia dos Entes Federados subnacionais (Estados, Municípios e o Distrito Federal) para ditar políticas de combate à pandemia do COVID-19, no âmbito de seus territórios. Por consequência, esta decisão conferiu eficácia aos atos administrativos destes Entes que declararam calamidade pública. Assim, as restrições contidas no art. 8º da LC 173/2020, embora bastante questionáveis sob o ponto de vista da constitucionalidade, somente podem deter eficácia enquanto perdurar o estado de exceção provocado pelo COVID-19, em especial, durante a calamidade pública. A referência ao art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal deixa mais evidente este entendimento, porque a redação do caput é a seguinte: "Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação."  Portanto, as medidas de restrição de gastos com pessoal, em face de calamidade pública, valem enquanto perdurar a situação. 

Entretanto, antes da LC 173/2020, o Governador do Estado de Santa Catarina referendou a Resolução 10/2020 do Grupo Gestor de Governo, suspendendo o pagamento de vários benefícios remuneratórios (progressões funcionais, adicional de tempo de serviço, terço de férias e etc) até 31 de dezembro de 2020. A Informação nº 1.927/2020 da SED, por sua vez, menciona que tais benefícios serão regularizados a partir de 01 de janeiro de 2021, com o pagamento dos valores desde a data da constituição do direito.

O primeiro aspecto nefasto da Lei Complementar, sob exame, refere-se a impossibilidade de concessão de quaisquer forma de melhoria remuneratória aos servidores públicos seja por meio de vantagem pessoal em razão do exercício do cargo ou atividade em condições especiais, como o aumento, o reajuste ou a adequação do vencimento, conforme o art. 8º, inciso I. Outrossim, reitera a proibição de “criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório” e “criar despesa obrigatória de caráter continuado”, de acordo com os incisos VI e VII do mesmo artigo da LC. Significa dizer que a norma suprimiu, pro tempore, prerrogativa dos Chefes dos Poderes Executivos dos Entes Políticos da iniciativa de lei local versando sobre a carreira de servidores públicos, bem como a atribuição dos órgãos legislativos de discutir e votar tais proposições. Trata-se, na prática do efetivo congelamento linear das remunerações de todos os servidores públicos, pelo menos, até fins de 2021.

 

Todavia, a Lei Complementar resguardou os benefícios remuneratórios obtidos: (i) por meio de sentença judicial transitada em julgado, porque em grande parte, os créditos são oriundos de direitos violados anteriormente a vigência da LC ou de normas jurídicas submetidas aos controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário; (ii) em face de determinação legal anterior a calamidade pública, ou seja, as disposições já contidas nos planos de carreira ou leis específicas que asseguravam “aumento, reajuste ou adequação do vencimento” e concessão de outros benefícios remuneratórios ulteriores (ainda que na vigência da calamidade pública) devem ser mantidas, porquanto considerados atos jurídicos perfeitos e, inclusive, com as despesas decorrentes previstas em Lei Orçamentária, bem como em face da impossibilidade de aplicação retroativa da norma contida no art. 8º, I da LC 173/2020.  

Por outro lado, o Ministério da Economia publicou a Nota Técnica SEI nº 20581/2020/ME com o objetivo de responder questionamentos relacionados a aplicabilidade da LC 173/2020, especificamente as carreiras dos servidores públicos dos Entes Políticos que compõe a Federação. Ao comentar o art. 8º, I, a Nota afirma que:

 

6. As duas exceções acima são também previstas no Inciso VI (criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório).

7. Nesse sentido, entende-se, em relação ao item “a”, que a determinação para concessão de direitos e vantagens referidas nos incisos I e VI do art. 8º por meio de mandados de segurança concedidos nesse período ficarão suspensos até 31 de dezembro de 2021, sendo implementados a partir de 1º de janeiro de 2022.

8. Em relação ao item “b” acima, entende-se que qualquer concessão derivada de determinação legal anterior à calamidade pública, desde que não seja alcançada pelos demais incisos do art. 8º, podem ser implantadas, ainda que impliquem aumento de despesa com pessoal. Encontra-se no rol dessas concessões, por exemplo, a concessão de retribuição por titulação, o incentivo à qualificação e a gratificação por qualificação, visto que os critérios para a sua concessão estão relacionados à comprovação de certificação ou titulação ou, ainda, ao cumprimento de requisitos técnico funcionais, acadêmicos e organizacionais. Entende-se, ainda, que essas concessões não se enquadram no inciso VII do art. 8º (criar despesa obrigatória de caráter continuado), pois trata-se apenas da implantação de despesa prevista em Lei anterior à calamidade, e não de sua criação, e, também, não se enquadram no inciso VIII (adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação), ainda que o valor individual a ser percebido supere a inflação do período, considerando que a despesa global não alcançará esse limite.  

Importa destacar que o entendimento manifesto no item 7 da Nota Técnica representa gravíssima violação a ordem jurídica, em especial ao princípio da separação de poderes. A ordem judicial expedida em julgamento de Mandado de Segurança (seja a liminar ou cumprimento de decisão transitada em julgado) tem aplicação imediata, sendo inviável à LC 173/2020, à Nota Técnica do Ministério da Economia ou mesmo o ato administrativo local modular seus efeitos práticos sobre os direitos funcionais e remuneratórios dos servidores públicos. Por esta razão entende-se que as decisões judiciais em caráter liminar (cognição sumária) ou cujo julgamento procedente transitou em julgado tem que ser cumpridas pelos Entes Políticos, ainda que durante a vigência das restrições contidas no art. 8º da LC 173/2020.

Acrescente-se ao entendimento do item 8 da Nota Técnica que benefícios remuneratórios adquiridos “face de determinação legal anterior a calamidade pública” também afetam reajustes, aumentos ou adequações de vencimentos e outros benefícios remuneratórios, desde contidos nos planos de carreira ou leis específicas vigentes na data da publica da Lei Complementar 173/2020.  

Outra medida que interfere negativamente nos direitos funcionais e remuneratórios dos servidores públicos está enunciada no inciso IX do art. 8º: a suspensão da contagem do tempo compreendido entre dia 28 de maio de 2020, data da vigência da LC 173/2020 até 31 de dezembro de 2021, como período aquisitivo para concessão de adicional de tempo de serviço (anuênio, Triênio ou Quinquênio), licença prêmio ou benefícios equivalentes que aumentem a despesas com pessoal. A contagem do tempo de efetivo exercício do cargo público para o interstício aposentatório e a concessão de outros benefícios da carreira não serão afetados, consoante a parte final do texto do inciso IX do art. 8º. Por orientação da Secretaria de Estado da Administração, as Transcrições dos Assentamentos Funcionais dos servidores públicos já foram modificadas, com as anotações (i) “1792 – Suspensão de Período Aquisitivo – LP – LC 173/2020” e “1791 – Suspensão de Período Aquisitivo – ATS – LC 173/2020”.

A respeito desta infringência a direitos a Nota Técnica do Ministério da Economia apresenta o seguinte entendimento:

 

10. Da redação desse inciso depreende-se que os servidores que tenham completado o período aquisitivo exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal até 27 de maio de 2020, terão os seus efeitos financeiros implementados. Os demais, que não tenham completado o respectivo período aquisitivo até essa data, independentemente de faltar um dia ou mais, terão a contagem suspensa até 31 de dezembro de 2021 e retomada a partir de 1º de janeiro de 2022.

11. Importa destacar que no âmbito da União não são mais concedidos anuênios, triênios ou quinquênios, parcelas remuneratórias que acarretariam, indubitavelmente, aumento de despesa com pessoal em decorrência da aquisição de tempo de serviço.

12. A licença-prêmio, no entanto, adquire caráter sui generis no contexto da Lei Complementar em análise. Embora a sua concessão não implique aumento de despesa com pessoal nos termos previstos no inciso IX do art. 8º, a contagem do tempo transcorrido da data de publicação da Lei Complementar até 31 de dezembro de 2021, como período aquisitivo para sua concessão é expressamente proibida nesse inciso.

13. No caso do governo federal, não há mais contagem de tempo para cumprimento de período aquisitivo necessário à concessão de licença-prêmio. No entanto, conta-se com licença que pode ser considerada “equivalente” nos termos referidos no inciso IX. Trata-se da licença para capacitação.

14. O mesmo raciocínio, então, se aplicaria também à licença para capacitação, cujo direito é adquirido após o cumprimento de cada quinquênio de efetivo exercício, ainda que seu usufruto não acarrete nenhum aumento de despesa com pessoal. Nesse sentido, os períodos em andamento seriam suspensos até 31 de dezembro de 2021 e a contagem retomada a partir de 1º de janeiro de 2022.

15. Entretanto, considerando que a suspensão da contagem desse tempo, s.m.j., aplica-se exclusivamente aos institutos elencados no inciso IX do art. 8º e seus equivalentes cuja concessão acarrete aumento de despesas, questiona-se, se tal regramento se aplicaria àqueles institutos que, embora estejam condicionadas ao cumprimento de determinado interstício, o seu usufruto não acarreta aumento de despesas. É o caso da licença para capacitação, analisada no parágrafo anterior, e, também, de afastamentos para participação em Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu no País e em Programa de Pós-Graduação no exterior, conforme previsto na Lei nº 8.112, de 1990, em seus arts. 87 e 96-A e seu § 7º, respectivamente.

16. Ressalta-se que a licença para capacitação ou os afastamentos para participação em programas de Pós-Graduação Stricto Sensu no País e em Programa de Pós-Graduação no exterior, de que tratam os arts. 87 e 96-A e seu § 7º, da Lei nº 8.112, de 1990, cujos períodos aquisitivos tenham sido completados até 27 de maio de 2020 poderão ser usufruídos, pois o direito já havia sido adquirido antes da vigência da LC nº 173, de 2020. Os períodos aquisitivos que não tenham sido completados até esta data terão a contagem suspensa até 31 de dezembro de 2021 e retomada a partir de 1º de janeiro de 2022.

17. Ao analisar conjuntamente o disposto no inciso I e no inciso IX do art. 8º da Lei Complementar nº 173, de 2020, entende-se que as progressões e promoções, por exemplo, não se enquadram na vedação apresentada em tais dispositivos, uma vez que tratam-se de formas de desenvolvimento nas diversas carreiras amparadas em leis anteriores e que são concedidas a partir de critérios estabelecidos em regulamentos específicos que envolvem, além do transcurso de tempo, resultado satisfatório em processo de avaliação de desempenho e em obtenção de títulos acadêmicos. Conclui-se, portanto, que para essa situação, tal vedação não se aplica.

18. Com relação aos ciclos avaliativos em andamento para fins de concessão e/ou manutenção das respectivas gratificações de desempenho, conclui-se que não serão afetados pela suspensão prevista na LC nº 173, de 2020, pois trata- se de parcela permanente, que integra a estrutura remuneratória do servidor, cujos critérios para pagamento envolvem o cumprimento das metas pactuadas entre as unidades e os respectivos servidores, a avaliação dos membros das equipes e das chefias imediatas, bem como o alcance das metas institucionais. Exceções encontram-se dispostas nos §§ 1º, 2º, 4º e 5º do seu art. 8º.

As conclusões jurídicas possíveis, a partir da interpretação do art. 8º, IX da Lei Complementar 173/2020 e da Nota Técnica SEI nº 20581/2020/ME são as seguintes:

(i) O adicional de Tempo de Serviço e a Licença Prêmio, com os períodos aquisitivos completados até a data da publicação da Lei Complementar 173/2020 não serão afetados pelo disposto no art. 8º, IX; ou seja, os efeitos financeiros e funcionais devem ser reconhecidos e implantados mesmo durante a vigência do estado de calamidade pública;

(ii) Nas hipóteses de não ter-se concluído o interstício aquisitivo do direito (ATS e LP) até o dia 27 de maio de 2020, a contagem será suspensa e somente se reiniciará a partir de 01 de janeiro de 2022;

(iii) Importante destacar que a concessão de ambos os benefícios funcionais tem previsão no plano de carreira, cuja lei é anterior a LC 173/2020; o direito ao usufruto da licença prêmio, conforme reconhecido pela Nota Técnica, não provoca qualquer tipo de despesa adicional para os cofres públicos e, por esta razão,  a vedação de contagem do tempo até 31 de dezembro de 2021 como período aquisitivo contradiz o objetivo da regra estabelecida no caput do art. 8º (proibição de aumentar a despesa com pessoal);

(iv) a progressão e/ou promoções ou ascensão funcionais em razão do aperfeiçoamento acadêmico ou por realização de cursos de curta duração, previstas em plano de carreira não serão afetadas pelas restrições do art. 8º, IX da Lei Complementar 173/2020. A justificativa da Nota Técnica do Ministério da Economia é que “…tratam-se de formas de desenvolvimento nas diversas carreiras amparadas em leis anteriores e que são concedidas a partir de critérios estabelecidos em regulamentos específicos que envolvem, além do transcurso de tempo, resultado satisfatório em processo de avaliação de desempenho e em obtenção de títulos acadêmicos”. Nítida contradição! O adicional de tempo de serviço e a licença prêmio são atributos da carreira e, a semelhança das outras formas de avanço na tabela de vencimentos dos servidores públicos, exigem um interstício temporal. Outrossim, tais benefícios já tinham os critérios para a concessão especificados em lei, antes da promulgação da LC 173/2020;

(v) todavia, o art. 1º da Resolução 010/2020 do GGG do Estado de Santa Catarina resolveu:

Art. 1º Suspender, até 31 de dezembro de 2020:

V –a implementação em folha de pagamento de:

a) progressão funcional;

b) adicional por tempo de serviço;

c) adicional de pós-graduação;

d) gratificação de incentivo à permanência em atividade;

e) abono de permanência; e

f) ajuda de custo

.(vi) Evidente que a Resolução tem a finalidade específica de normatizar procedimentos de maneira contrária ao que está estabelecido em lei ou na Constituição criando, assim, um conflito irremediável com normas jurídicas hierarquicamente superiores. Os atos administrativos que a Resolução suspendeu são vinculados a uma lei anterior que dispõe detalhadamente sobre as formas de acesso a cada um dos direitos. A contrariedade aqui se apresenta porque, conforme a Constituição Estadual, somente a lei específica poderá regular matéria relativa a carreira e a remuneração dos servidores públicos.

(vii) Os direitos funcionais e remuneratórios, suspensos pela Resolução 10/2020, dentre os quais estão as promoções, progressões e os triênios (mesmo aqueles cujo direito foi adquirido antes da edição da Resolução) devem ser restabelecidos a partir de 01 de janeiro de 2021; Por isso, recomenda-se aguardar aquela data antes de propor qualquer ação judicial diante da remotíssima possibilidade de restabelecimento (antes do ano de 2021) por ordem do Poder Judiciário, em face das limitações legais para deferimento de medidas liminares visando o aumento de remuneração de servidor público;

Finalmente, relevante mencionar que não estão proibidos durante a vigência da calamidade pública decorrente do COVID-19, a contratação de servidores públicos em caráter temporário (notadamente professores em substituição à efetivos afastados do exercício do cargo), nem a realização de concursos públicos para ocupar cargos efetivos vacantes.  

Considerações Finais

A constitucionalidade do art. 8º da Lei Complementar nº 173/2020 tem sido objeto de questionamento no STF por meio de inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn). Por isso, importa, enquanto não tem um julgamento dos Writs, destacar as inconstitucionalidades mais relevantes da norma:

Primeira: o art. 109 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal já estabelece restrições aos Entes da Federação para concessão de benefícios remuneratórios aos servidores públicos, no caso de descumprimento das despesas primárias, limitando-se ao período do exercício financeiro. A Lei Complementar 173/2020 reproduziu o conteúdo do art. 109 do ADCT, modificando apenas o caput do dispositivo, com restrições mais abrangentes no tempo (até 31 de dezembro de 2021). Há evidente antinomia de normas, situação incompatível com o ordenamento jurídico, destacando que o art. 8º da LC 173/2020 se sobrepõe ao art. 109 do ADCT, de hierarquia normativa superior. De fato, a LC 173/2020 se sobrepôs ao regramento constitucional e, ao estabelecer regramento mais rígido para os Entes da Federação afrontou o disposto no art. 109 do ADCT.  

Por outro lado, também há flagrante agressão ao art. 169 da Constituição Federal que estabelece medidas de contenção de gastos com pessoal da administração pública, quando desrespeitados os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Caso verificada a hipótese de superação dos patamares máximos de despesa com folha de pagamento a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão adotar as seguintes providências: a) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; b) exoneração dos servidores não estáveis e c) se as medidas previstas em a e b não forem suficientes para assegurar o cumprimento dos limites estabelecidos, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. Por exceder as regras estabelecidas no art. 169 da CF, o art. 8º, da LC 173/2020 deve ser considerado inconstitucional.

Segunda: o inciso I do art. 8º da Lei Complementar 173/2020 conflita com os Arts. 37, inciso X, 39, § 8º, e 40, inciso X, todos da Constituição Federal. A LC impugnada proibiu, até 31 de dezembro de 2021, o exercício da autonomia dos Chefes dos Poderes Executivos da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal de propor projeto de lei às respectivas casas legislativas, com finalidade de alterar a remuneração  dos servidores e, também de cumprir o imperativo constitucional de revisão geral anual dos vencimentos. Ademais, o § 19 do art. 40 da Constituição prevê a concessão do abono de permanência para os servidores que completaram os requisitos para a aposentadoria voluntária, mas como se trata de benefício que provocará o aumento de despesa, o inciso IX da LC 173/2020 impede a sua implantação até 31 de dezembro de 2021.

Terceira: A LC 173/2020 contém a inconstitucionalidade formal relacionada ao vício de iniciativa, em afronta ao art. 51, IV; ao art. 52, XIII; ao art. 61, §1º, II, a e cb

Quarta: A regra contida no inciso IX do art. 8º da LC 173/2020 também encontra-se eivada de inconstitucionalidade, por afetar o art. 37 caput da Constituição Federal. O dispositivo questionado suspendeu a contagem do tempo de exercício do cargo até 31 de dezembro de 2021 e, por escolha arbitrária, para efeitos da concessão de adicional por tempo de serviço e licença prêmio e demais mecanismos equivalentes. Antes de tudo, convém assinalar que trata-se de disposição excepcional, porque a contagem do tempo é desconsiderada ainda que o servidor público continue no exercício do cargo público de provimento efetivo. Note-se que o período de vigência do estado de calamidade pública será contado para os fins de progressão, promoção ou ascensão funcional e, também para o interstício aposentatório. Ademais, a escolha arbitrária do adicional por tempo de serviço e da licença prêmio encontra-se desprovida de qualquer motivação, em notória transgressão dos princípios gerais que orientam a administração pública: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”  

Por fim, a restrição de contagem do tempo para aquisição do direito à licença prêmio não guarda qualquer conteúdo lógico com a LC 173/2020, porquanto não resulta no acréscimo de despesa da administração pública com pessoal e, assim, em nítida contradição com o princípio da eficiência.

Os procedimentos que os integrantes do Magistério devem seguir para preservar seus direitos são os seguintes:

a) nos casos de não pagamento dos direitos remuneratórios apontados (terço de férias, férias indenizadas, adicional de tempo de serviço, gratificações, por exemplo) recomenda-se ao servidor o protocolo de pedido administrativo de regularização de pagamento, como procedimento prévio à eventual propositura de uma ação judicial;

b) os servidores que cumprirem os requisitos para fazer a progressão funcional na carreira devem formular, no tempo certo, o pedido administrativo acompanhado dos documentos que demonstram a realização de curso (em número de horas necessárias) ou a aquisição de nova habilitação; sempre é importante ter consigo uma cópia do requerimento protocolado; tal procedimento é essencial para manter o direito à progressão funcional e, também, instrumentalizar o ingresso de uma ação judicial, se for o caso;

c) também devem ser mantidos os requerimentos para pagamento de ajuda de custo e horas extras, conforme os formulários próprios fornecidos pelo órgão administrativo ao qual está vinculado o servidor;

d) para enfrentar as regras contidas na Resolução 010/2020 encontramos várias limitações, a saber: a) a situação excepcional de pandemia que, neste momento, tende a sensibilizar mais o Poder Judiciário com os argumentos econômicos relacionados a contenção do gasto público que dar atenção aos direitos dos servidores públicos. Lembro que pode vir a tona, por exemplo, o fato que os servidores encontram-se em regime de trabalho especial (remoto) e mantendo a integralidade da remuneração; b) a despeito da notória inconstitucionalidade e da ilegalidade da Resolução, o Poder Judiciário nunca perde o horizonte econômico em suas decisões. Por isso, a queda brutal da arrecadação do Estado – em curso acelerado – é um fator que deve preponderar as análises dos pedidos judiciais de restabelecimento de direitos; c) a Resolução determina a suspensão, até 31 de dezembro de 2020, do pagamento de direitos remuneratórios. Portanto, não é um cancelamento de direitos. Do ponto de vista jurídico, o governo tem a obrigação de retomar o pagamento, com efeitos retroativos que, se cumprido atenderia o interesse dos servidores públicos; d) Ainda imponderável se uma ação judicial possa obter uma medida de urgência determinando a suspensão imediata da Resolução 10 do GGG. O Poder Judiciário pode valer-se de expedientes processuais lícitos para postergar decisões e, também, ao aguardar a manifestação do Estado para utilizar os argumentos deste e negar uma medida liminar.  Penso que o ingresso de uma ação judicial precisa ser sempre visto com certa cautela. Mesmo assim, importante manter as orientações dos itens a, b e c, porque o acesso a estas informações poderá nos dar a dimensão do problema que a Resolução vai causar nos servidores públicos.  

A Assessoria Jurídica do SINTE/SC receberá todos os documentos enviados pelos membros do magistério a fim de avaliar os procedimentos administrativos e judiciais que poderão ser adotados considerando a situação atípica de absoluta incerteza sobre as decisões futuras do Governo do Estado.

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